sábado, 3 de outubro de 2015

As moedas que recebeu, têm valor para você?


Em uma noite qualquer, de uma época qualquer, alguém teve um sonho: sonhou que recebia algumas moedas das mãos de seus pais. Não sabemos se eram muitas ou poucas, se eram milhares, centenas, uma dezena ou apenas um par. Também desconhecemos o metal de que eram feitas, se ouro, prata, bronze ou talvez ferro. Enquanto sonhava que seus pais lhe entregavam as moedas, esse indivíduo teve uma sensação de calor em seu peito. Foi invadido por uma grande alegria. Estava contente, encheu-se de ternura e dormiu serenamente o restante da noite. Na manhã seguinte, quando despertou, a sensação de serenidade e satisfação persistia. Então, decidiu caminhar até a casa de seus pais. Quando ali chegou, olhou-lhes nos olhos e disse: "Na noite passada, vocês vieram até mim em sonho e depositaram em minhas mãos algumas moedas. Não me lembro se eram muitas ou poucas. Também não sei de que metal eram feitas, se eram de metal precioso ou não. Não importa, porque me sinto pleno e feliz. E venho lhes dizer: Obrigado, elas são suficientes. São as moedas de que necessito e as que mereço. Assim, eu as tomo com gosto, pois vêm de vocês. Com elas serei capaz de seguir meu próprio caminho." 

Ao ouvir isso, os pais que como todos os pais se engrandecem por meio do reconhecimento dos filhos, sentiram-se ainda maiores e generosos. Interiormente sentiram que podiam seguir dando a seu filho, porque a capacidade de receber amplia a grandeza e o desejo de dar. Então, disseram: "Você é um bom filho. Pode ficar com todas as moedas, pois pertencem a você.Pode gastá-las como quiser, e não precisa devolvê-las. São seu legado, único e pessoal, são para você." 


Então o filho também se sentiu grande e pleno. Descobriu- se completo e rico e pôde em paz deixar a casa dos pais. Na medida em que se afastava, andava com firmeza, com os pés firmes sobre o solo. Seu corpo também estava bem situado no solo, e diante de seus olhos um caminho claro e um horizonte promissor se abriam. Enquanto percorria o caminho da vida, foi encontrando pessoas diferentes, que o acompanhavam durante um trecho, às vezes mais longo, às vezes mais curto. Alguns o acompanharam pela vida toda. Eram sócios, amigos, companheiros, vizinhos, colaboradores e inclusive adversários. Em geral, o caminho se apresentava sereno, agradável, em sintonia com seu espírito e com sua natureza pessoal. E, ainda que não estivesse livre dos pesares naturais impostos pela vida, o sentia como o caminho de sua vida. De vez em quando, olhava para trás, para seus pais, e relembrava com gratidão as moedas recebidas. E, quando observava o transcurso de sua vida ou olhava para seus filhos ou se recordava de tudo que conquistou no âmbito pessoal, familiar, profissional, social ou espiritual, a imagem de seus pais surgia e ele se dava conta de que tudo aquilo fora possível graças ao que havia recebido deles, e que com seu êxito e com suas conquistas os honrava. Dizia a si mesmo: Não há fertilizante melhor que as próprias origens, e então seu peito voltava a se encher da mesma sensação abrangente que lhe havia preenchido na noite em que sonhou que recebia as moedas. 


Outra noite qualquer, de outro tempo qualquer, outra pessoa teve o mesmo sonho, já que, cedo ou melhor por eles, mas a pressão de ter uma vida própria lhe resultam exigente, imperiosa e avassaladora como a sexualidade. Assim, o indivíduo um dia compreendeu que tampouco o filho tinha as moedas de que necessitava, que merecia e lhe correspondiam. Sentindo-se mais vazio, órfão e desorientado que nunca, entrou em crise. Adoeceu. Estava na fase média da vida e se encontrava de uma forma que nenhum argumento já o sustentava, nenhuma razão o acalmava. Sentiu seu interior se quebrar e gritou: "SOCORRO!" Havia tanta urgência em seu tom de voz! Seu rosto estava tão desfigurado! Nada o acalmava, nada podia confortá-lo. E o que ele fez? Foi a um terapeuta. O terapeuta prontamente o recebeu. Olhou profunda e pausadamente para o indivíduo e disse: "Eu não tenho as moedas."


O terapeuta viu nos olhos de seu paciente que ele continuava buscando as moedas no lugar errado e que, no fundo, desejava se equivocar mais uma vez. Ele sabia que as pessoas desejam mudar, mas também que lhes custa dar o braço a torcer, não tanto por dignidade, mas por teimosia e costume. Mas o terapeuta, que sabia que não tinha as moedas em mãos, pensou: Amo e respeito melhor meus pacientes quando também posso fazer o mesmo com seus pais e com sua realidade tal como é. Ajudo quando sou amigo das moedas que lhes cabem, quaisquer que sejam. 


Na realidade, aquele terapeuta já vira muitas pessoas em situações similares e sabia que o paciente, e o menino que segue vivendo em seu interior, continua amando profundamente seus pais e lhes guarda lealdade, ainda que o ardor das feridas e outras causas lhe impeçam de aceitar suas moedas. É que, nas profundezas da alma, ainda que o filho reprove seus pais, também se identifica com eles. E, quando não pode acolhê-los e amá-los, tampouco consegue amar a si mesmo. Por isso, seu enfoque é o amor a tudo e a todos. Naquela primeira visita, o terapeuta acrescentou: "Eu não tenho as moedas, mas sei onde estão e podemos trabalhar juntos para que também você descubra onde estão e como pegá-las". Então, o terapeuta trabalhou com esse indivíduo e lhe mostrou que durante muitos anos ele tivera um problema de visão, um problema óptico, um problema de perspectiva. Tivera dificuldades para ver claramente. Só isso. O terapeuta o ajudou a ajustar o foco e a regular seu olhar, a perceber a realidade de outra maneira, a partir de uma perspectiva mais clara, mais centrada e mais aberta aos propósitos da vida. Uma maneira menos dependente dos desejos pessoais do pequeno eu que sempre tenta nos governar. 


Um dia, enquanto esperava pelo paciente, o terapeuta pensou que havia chegado o momento de dizer, por fim e claramente, onde estavam as moedas. E, nesse mesmo dia, como que por encanto, o paciente chegou com outra coloração de pele. As feições de seu rosto haviam se suavizado. E disse: "Sei onde estão as moedas. Continuam com meus pais." Primeiro soluçou, em seguida chorou abertamente. Depois veio o alívio, a paz e a sensação de calor no peito. Por fim! 


Então, dirigiu-se novamente, como anos atrás, à casa de seus pais. Quando ali chegou, olhou-lhes nos olhos e disse: "Durante todos estes anos tive um problema de visão, uma perspectiva ilusória. Não via claramente. Sinto muito. Agora posso ver e venho dizer-lhes que aquelas moedas que recebi de vocês em sonhos são as melhores moedas possíveis para mim. São suficientes e me correspondem. São as moedas que mereço e são adequadas para que eu possa seguir adiante. Venho lhes agradecer. As aceito com gosto, porque vêm de vocês, e com elas posso seguir trilhando meu próprio caminho." 


Então os pais, que como todos os pais se engrandecem pelo reconhecimento dos filhos, voltaram a florescer, e o amor e a generosidade fluíram novamente com facilidade. O filho voltava a ser filho plenamente porque era capaz de aceitá-los. Os pais, sorridentes, o olharam com ternura e responderam: "É um bom filho. Pode ficar com todas as moedas, pois lhe pertencem. Pode gastá-las como quiser e não é preciso devolvê-las. São seu legado, único e pessoal, para você. Pode ter uma vida plena.” Então, o filho também sentiu grande e pleno. Percebeu-se completo e rico e pôde por fim deixar em paz a casa dos pais. A medida que se afastava, sentiu os pés firmes pisando intensamente no solo, seu corpo também assentado na terra e os olhos voltados para um caminho claro e um horizonte promissor. Também sentiu algo estranho: perdera a força impetuosa que se alimentava do ressentimento, do vitimismo e do excesso de conformismo, mas agora tinha uma força simples e tranquila, uma força natural. 


Percorrendo o caminho que restava de sua vida, encontrou outras pessoas com as quais caminhou lado a lado, como acompanhante, durante um trecho, às vezes longo, às vezes curto, outras, para sempre. Sócios, amigos, casais, vizinhos, companheiros, colaboradores, inclusive adversários. Em geral, seu caminho foi sereno, prazeroso, em sintonia com seu espírito e com sua natureza pessoal. Tampouco esteve isento dos pesares naturais impostos pela vida, mas sentia que aquele sim era o caminho de sua vida. Um dia se aproximou da pessoa pela qual havia se apaixonado crendo que ela tinha as moedas e disse: "Durante muito tempo tive um problema de visão, e agora que enxergo claramente lhe digo: Sinto muito, esperei demais dessa relação. Foram demasiadas as minhas expectativas, e sei que isso foi uma carga muito pesada para você e agora a assumo. Tomo consciência e a libero. Assim, o amor que tivemos pode seguir fluindo. Agradeço. Agora tenho minhas próprias moedas." 


Em outro momento foi até seu filho e disse: "Você pode aceitar todas as minhas moedas, porque eu sou uma pessoa rica e completa. Agora já peguei as minhas de meus pais." Então o filho se tranquilizou, se fez pequeno em respeito a ele e se sentiu livre para seguir seu próprio caminho e aceitar suas próprias moedas. Ao fim de seu longo caminho, o indivíduo se deteve a repassar a vida vivida, o amado e o sofrido, o construído e o danificado. A tudo e a todos conseguiu dar um bom lugar em sua alma. Acolheu a todos com doçura e pensou: "Tudo tem sua hora na vida: a hora de chegar, a hora de permanecer e de partir. Uma metade da vida é para subir a montanha e gritar aos quatro ventos "Eu existo!" E a outra metade é para o declínio até o vazio, onde tudo é desprender-se, alegrar-se e celebrar." A vida tem seus assuntos e seus ritmos sem deixar de ser o sonho que sonhamos. 


Extraído do livro “Onde Estão as Moedas? As Chaves do Vínculo entre Pais e Filhos” (Joan Garriga Bacardí)

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